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Um dos maiores nomes da literatura marginal, Alessandro Buzo, conta sobre as dificuldades em ser escritor independente e as transformações que a cultura causou em sua vida
por BrunoCarvalho e Luis Gustavo Carvalho
Escritor, repórter, ativista social e cineasta, Alessandro Buzo fala sobre a carreira e as dificuldades enfrentadas
(Foto: Bruno Carvalho)
Em 2000, Alessandro Buzo, então morador do Itaim Paulista, descontente com a linha de trem da região, resolve escrever um livro contando toda a sua indignação com o descaso público para com a sua periferia. Sem apoio e financiamento, lança o livro de maneira independente e funda a livraria Suburbano Convicto, no mesmo bairro, para impulsionar as vendas de sua obra. Anos depois, Buzo se tornou um dos maiores nomes da literatura marginal brasileira – com mais de dez livros publicados –, ativista social, repórter e cineasta – com dois filmes lançados. Hoje, aos 46 anos de idade, Buzo vive em São Sebastião, litoral paulista. A distância, porém, não o impede de cumprir a agenda da sua livraria, atualmente localizada no bairro do Bixiga. Ao som do aquecimento de uma boa batucada e prestes a dar início a mais um Sarau Suburbano, Buzo contou sobre sua carreira, perspectivas e visões de mundo.
Luis Gustavo – Qual foi o seu primeiro contato com a arte? Eu acho que o que me levou para a arte foi a literatura. O meu primeiro contato com a literatura foram os gibis que a minha mãe comprava quando trabalhava num hospital do Tatuapé. Ela parava numa banca de jornal e comprava uns gibis que levava para mim e para o meu irmão. A partir deles, a gente começou a ler e pegamos gosto. A literatura que trouxe outras coisas, outros contatos com outras artes. Mas tudo começou com ela e por causa da minha mãe, que sempre incentivou. Teve uma época, quando eu era adolescente, em que eu me afastei muito da leitura. Tempo de juventude, balada... Quando eu voltei a ler, logo comecei a escrever.
LG – O que te fez acreditar que seria possível crescer por meio da arte e o que te levou a escrever o seu primeiro livro? No começo era inimaginável que fosse acontecer tudo o que aconteceu na minha vida, né, mano!? Morei no Itaim Paulista a minha vida toda. Primeiro na região da Estrada Dom João Nery, depois no Encosta Norte e, por último, no Jardim Camargo Velho. E era assim: pegava trem lotado de manhã e de tarde, trabalhava no Centro, em empregos formais, e eu nunca imaginei que qualquer vínculo cultural que eu tivesse fosse transformar a minha vida a ponto de eu viver disso hoje, ou que os meus textos fossem publicados em alguns países aí pelo mundo. Nunca imaginei chegar tão longe, que eu fosse trabalhar na televisão, nada disso.
“O texto era uma forma de protesto. Eu o enviei para a ouvidoria da CPTM e para a imprensa, mas ninguém respondeu”
Quando eu me propus a escrever o meu primeiro livro, O TREM: BASEADO EM FATOS REAIS, que falava da linha Variante de Poá – a linha que passa no Itaim –, era uma forma de protesto, porque o trem estava horrível. Eu enviei um texto para a ouvidoria da CPTM e para a imprensa, mas ninguém me respondeu, então eu o distribuí para as pessoas que trabalhavam comigo e essas pessoas falaram: “’Pô’, por que você não escreve um livro do trem?”, e eu embarquei nessa de escrever um livro, porque eu queria mostrar o que os usuários passavam e a mídia não cobria. Quando cobria, era porque tinha alguma depredação e as pessoas eram chamadas de vândalos, mas ninguém falava tudo o que acontecia antes do vandalismo. E eu o lancei de maneira independente, sem a mínima ideia de como era lançar um livro. Comecei eu mesmo a ir atrás das formas de publicar um livro e descobri que um autor iniciante só podia ser independente, mas eu não tinha dinheiro para isso. Lancei o livro no final do ano 2000. No começo do ano meu filho tinha nascido, então eu estava numa situação de grana limite, com salário só para sobreviver. Uma empresa que eu trabalhava na época ajudou com um terço do que eu precisava e eu acabei lançando o livro. Mas sempre nessas efervescências. A ideia era só fazer um protesto, depois, incentivado pela repercussão do primeiro, comecei a escrever um segundo livro, sobre histórias que eu vivi na minha infância. Histórias verdadeiras, personagens fictícios. E daí foi. Onde eu ia chegar, não tinha a mínima ideia.
“Deveria ter um livro por mês na cesta básica”
LG – Para você, as pessoas deveriam ser mais incentivadas a produzirem e consumirem arte independente desde a infância? Com certeza! Vocês estão aqui na livraria [Suburbano Convicto], estão vendo que existem vários autores, vários títulos [de literatura marginal]. Essa literatura deveria ir para as escolas, cara! Porque “catando” essa molecada, com essas obras, você consegue prender a atenção deles, porque fala a mesma linguagem que eles. E quando eles virarem leitores, através da literatura periférica, ou literatura marginal, como quiserem chamar, eles vão querer ler outros livros também, vão chegar nos clássicos. Agora, esse velho chavão de a escola querer que o cara leia Machado de Assis com nove anos de idade... Mano, isso afasta a pessoa da literatura. E deveria ser incentivado não só pelo lado cultural da parada, porque, com certeza, um dos maiores males da humanidade é a violência, e, para combater a violência, não é colocando polícia na rua, não é repressão, porque isso não vai resolver o problema nunca. O que resolve é a educação e investimento em cultura. Se você investe pesado em cultura e transforma a vida daquele cara que dança um break, que é grafiteiro, [quer dizer que] ele já se desviou do caminho errado. E [sobre] ser mais consumido, apesar de a gente tentar vender os livros da literatura periférica pelo melhor preço possível, ainda, às vezes, é caro. O pessoal “tá” sem grana, desempregado, uma “pá” de coisa. O cara vem aqui no sarau, gostaria de comprar um, dois livros, mas acaba só “tendo” dinheiro pra tomar uma “breja”. Deveria sim, na cesta básica, ter um livro por mês, porque também alimenta. O investimento é preciso, mas ainda é escasso. Existem muitos projetos públicos, mas, até aprender a fazer um projeto, muita gente já desistiu. Tem gente que faz um projetinho de futebol de várzea com as crianças, mas não sabe escrever o projeto. Então, o incentivo também deveria ser: “vamos ‘catar’ aquele cara que já faz [um projeto], mas que não sabe se inscrever no edital e dar um gás no projeto dele”.
LG – Você diria que a trajetória de um artista independente é ainda mais difícil do que de um artista que é financiado de alguma forma? Infinitamente mais difícil, cara! Meritocracia, no Brasil, é conversa fiada. Começa pela educação. O cara que estudou [a vida inteira] numa escola pública, lá na frente, vai sofrer quando for disputar com alguém que estudou numa escola particular, porque lá tem tudo o que é preciso para um bom desenvolvimento. Mas, numa escola estadual, os professores fingem que estão ensinando e os alunos fingem que estão aprendendo. Na cultura é igual. Você escreve um livro – de preferência aprende a diagramar, para economizar uma grana –, descola uma gráfica, vende ele, marca lançamento... Tem que fazer tudo. Um amigo nosso do Rio de Janeiro, o Giovani Martins, recentemente foi lançado pela Companhia das Letras. O livro dele já foi lançado em nove países. Ele estava na Flip. Por que ele é muito mais talentoso do que muitos escritores que estão aqui nas prateleiras? Não. Ele é muito bom, mas tem outros que são tão bons quanto ele que, sendo independentes, nunca vão aparecer em metade dos lugares que o primeiro livro dele apareceu. Eu acho que é importantíssimo ter ele lá, porque ele é verdadeiro. Mas, puta, o cara que pega seus 500 exemplares, coloca debaixo do braço e sai por aí vendendo, infelizmente, não vai ter as mesmas oportunidades, não vai chegar tão longe.
Alessandro Buzo é o fundador da livraria Suburbano Convicto, que preza pela chamada "literatura marginal"
(Foto: Luis Gustavo Carvalho)
LG – O seu filme PROFISSÃO MC, de 2009, conta a história de um rapper que está passando por um momento complicado: a namorada está grávida e ele desempregado. Em meio a isso, ele recebe duas propostas: uma é a de entrar para o tráfico de drogas e a outra de seguir apostando no rap. Você já passou por algo assim? Você diria que apostar tudo em seguir os próprios sonhos, ao invés de seguir um caminho mais tortuoso, significa ser ainda mais corajoso? Com certeza significa ser mais corajoso. O filme é uma ficção, mas poderia muito bem ser realidade. Aquela história, daquele jeito, é uma ficção. Mas aquela história acontece todos os dias ao nosso redor. Muitas vezes, o caminho mais difícil não é só virar um cantor [como no filme], pode ser continuar acreditando que você vai conseguir se formar, arrumar um emprego melhor no futuro... Hoje, vemos que muitos jovens, infelizmente, estão no mundão sem pensar no amanhã. Enquanto isso, outras pessoas se dispõem a ir pelo caminho mais difícil. Muitas vezes eu e minha esposa íamos a eventos de condução. Nós tínhamos objetivo de expandir nosso trabalho, então a gente fazia isso acontecer. É mais difícil, mais cansativo, mais tortuoso, poderia não dar certo. Quando eu larguei meu último emprego formal e fui me dedicar totalmente a qualquer coisa que tivesse alguma ligação cultural, meus colegas de trabalho falaram: “Mano, você tem um filho pra criar, você vai pedir as contas do emprego pra viver de cultura? Daqui uns três meses, você vai bater aqui na porta de novo”. Por minha sorte, deu certo, eles estão me esperando voltar até hoje. Mas poderia ter dado errado, realmente. Eu estava no lugar certo, na hora certa, mas também fiz meu “corre”. Quantas vezes eu não virei noite escrevendo livro. Às vezes, você perde uma noite de sono, mas com um propósito muito maior lá na frente. O filme foi feito sem grana, independente. Depois disso, eu escrevi o roteiro de PROFISSÃO MC 2, que contava outra história de superação e, inclusive, estavam confirmadas as participações do Dexter e do Emicida. A gente ficou oito anos procurando dinheiro para fazer esse filme, de 2010 a 2018. No fim, a gente desistiu de tentar e resolveu fazer outro filme, sem dinheiro, o FUI! (2018). Pela minha experiência em audiovisual e as pessoas que eu conheci em minha caminhada, eu consegui montar uma equipe para fazer um filme independente. Mas aí você pensa: Como que com um trabalho que repercutiu tanto, como foi o PROFISSÃO MC, você não consegue arrumar um apoio para fazer um segundo filme? Os problemas são as origens, é muitos mais difícil.
“O cara que pega seus 500 exemplares e sai por aí vendendo, infelizmente, não vai ter as mesmas oportunidades, não vai chegar tão longe”
Bruno Carvalho – Você participou durante bastante tempo do programa MANOS E MINAS, da TV Cultura, onde fazia um quadro chamado BUZÃO. Você acha que o programa foi ou ainda é uma janela importante para a cultura marginalizada produzida nas periferias? Eu acho que sim. O MANOS E MINAS está no ar há dez anos e ele nunca perdeu a sua essência de mostrar artistas da periferia. Ele está lá a duros trancos. Teve uma época que o programa foi extinto, aí foi feita uma mobilização e ele acabou voltando. Mas ainda é o único programa que fala a linguagem periférica. O próprio quadro que eu tinha [no programa] cumpria esse papel. Tirando isso, o que mais tem na TV? [que mostre a cultura periférica]. Esporadicamente, uma matéria com algum artista ou outro. Deveria ter outros canais que investissem nisso, porque, com certeza, teria público.
Alessandro Buzo recebeu os repórteres Bruno Carvalho e Luis Gustavo Carvalho em sua livraria, Suburbano Convicto, na região central de São Paulo, em meio a um sarau, para falar sobre sua carreira
(Foto: Luis Gustavo Carvalho)
BC – Você também participou do SPTV, onde apresentava o quadro SP CULTURA. Numa emissora de grande alcance, como a Globo, qual avaliação você faz do impacto que o seu quadro causou entre a população periférica paulistana? Meu quadro no SPTV era um sucesso total. Quando eu entrei [na emissora], nosso combinado era de um ano, que poderia ser renovado por mais dois. Para a Globo, um quadro só pode durar, no máximo, três anos. Eu não achei que eles fossem tirar do ar porque foi um sucesso. Até hoje repercute, eu ando nas ruas e as pessoas lembram. Eles se sentiam representados pelo meu quadro, e falta isso hoje em dia. Hoje, nós vemos matérias das periferias em que eles só mostram tragédia e futilidade.
BC – Morando no litoral, qual a sua relação com o sarau e a livraria, hoje? A livraria nasceu lá no Itaim, numa garagem pequena. Eu estava desempregado, com uns livros repetidos em casa, meus e de amigos. Passei e vi essa garagem alugando. Eu perguntei quanto era o aluguel e era bem baratinho. Fui buscar o dinheiro na mesma hora, mas nem isso eu tinha em casa. Tive que fazer um “corre” com um vizinho para pegar dinheiro emprestado. Fui lá e aluguei. Meu primeiro acervo foram os meus livros. Com três anos que fiquei lá, nós fizemos diversos eventos, levamos Marcelino Freire, Sérgio Vaz, um monte de gente. Mas não vendia quase nada. A galera ia pra tomar uma “breja”, trocar uma ideia, mas ninguém comprava. Três anos depois, eu ia fechar as portas porque só ficava no vermelho. Então eu estava fazendo um “corre” nesse prédio aqui no Bixiga [local onde foi realizada a entrevista] e quando eu estava desistindo da livraria no Itaim, surgiu uma sala aqui, onde a livraria está até hoje. Uma sala muito maior, com um aluguel muito mais caro, mas que era no Centro. Então eu acreditei que se trouxesse a livraria para cá, as pessoas de outras “quebradas” que nunca tinham ido lá no Itaim, quem sabe, não viriam aqui, no Bixiga. De certa forma, deu certo, porque estamos aqui até hoje.
Entrevista realizada originalmente para a revista 'Era', feita para a disciplina 'Fotojornalismo e Planejamento Visual II' do curso de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi, no dia 08/10/2018.
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