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Bruno Carvalho

Seicho-no-ie: religião, filosofia ou estilo de vida?


Prédio da sede brasileira, no Jabaquara, já foi cinema de rua e hoje atrai olhares curiosos


Torre da sede nacional da Seicho-no-ie não é suntuosa, mas atrai a atenção de curiosos

(Foto: Bruno Carvalho)


Nos anos de 1950, a Avenida Engenheiro Armando de Arruda Pereira, no Jabaquara, ainda se chamava Avenida Conceição e seu número 1266 abrigava o Cine Maringá. Anos depois, na década de 1960, o antigo cinema deu lugar à sede nacional da Seicho-no-ie que, mais tarde, ocupou outros dois terrenos. O salão nobre do templo, onde antes eram exibidos filmes, possui capacidade para cerca de 880 pessoas e é onde acontecem os maiores eventos do local. Além dele, há ainda uma sala de orações, onde ocorrem cerimônias em nome dos antepassados, uma sala de meditação, onde os frequentadores encontram silêncio, e uma livraria, com títulos em diversos idiomas que contam a história e os ensinamentos da crença.


Fundada pelo líder espiritual Masaharu Taniguchi no Japão, em 1930, a Seicho-no-ie surgiu como uma espécie de revista e, com o passar do tempo, tomou a forma daquilo que alguns classificam como religião, outros como filosofia e mais alguns como estilo de vida. Encaixá-la num termo para tentar defini-la dentro de qualquer padrão preestabelecido, por mais concreto ou abstrato que seja, é errado e provavelmente inconclusivo.


Segundo um dos preletores da Seicho-no-ie, Eduardo Nunes da Silva, 57, o próprio fundador da doutrina a classificou como uma suprarreligião, uma vez que não se opõe às demais. “A Seicho-no-ie é extremamente filosófica. Avalia-se que o professor Masaharu Taniguchi tenha escrito quase 400 livros, desde os que traçam as diretrizes filosóficas da doutrina até os que filósofos alemães, como Engels e Kant, são citados”, explica.


O templo do Jabaquara, envolto pelos olhares curiosos de quem não o conhece, guarda tanto conhecimento quanto contradições. Entre a incapacidade de definir a Seicho-no-ie apenas como religião e os milagres que quem a segue acredita, somente quem vive sua filosofia é que pode explicar a sua fé.


Brasil de todos os milagres


No Brasil, sua história começa ainda nos anos de 1930, quando o país recebeu os primeiros periódicos que haviam acabado de ser publicados no Japão. Em São Paulo, além da sede nacional, outros núcleos menores estão espalhados pela cidade. Num país onde o cristianismo se sobressai, apesar da diversidade de sua população, a Seicho-no-ie causa estranhamento em muitos que sequer já ouviram falar sobre o assunto, embora alguns falem que aqui se concentra o maior número de seguidores da crença, atrás apenas do Japão. Fato que comprova isso são os olhares curiosos que o templo do Jabaquara atrai.


O prédio, que lembra uma igreja, mas que obviamente abriga os saberes filosóficos de alguma doutrina, desperta curiosidade pela diferença com o que lhe é parecido. No topo, não há cruz. A torre chama atenção, mas não é suntuosa. Muitos passam, olham com curiosidade e seguem caminho.


De acordo com Silva, mais do que a preocupação com a realização dos rituais, que incluem orações aos antepassados, meditação e leitura da sutra sagrada, a Seicho-no-ie é voltada à transmissão dos ensinamentos. Para isso, cursos, palestras e reuniões são promovidos pelos seus membros internos. Mas, apesar das diferenças, é possível encontrar semelhanças com outras formas de crer. O cristianismo, por exemplo, tem como um de seus principais mandamentos honrar os pais. Por outro lado, um dos principais pilares da Seicho-no-ie se refere à gratidão aos antepassados.


Dona Maria da Glória, 73, aposentada, foi apresentada à Seicho-no-ie por uma amiga. Para ela, depois que passou a frequentar o local e seguir a filosofia de perdoar e agradecer os pais, se tornou uma pessoa melhor. Assim como ela, outros que seguem a doutrina, atribuem à esta filosofia o que caracterizam como milagres. Afinal, chamando ou não de religião, muitos são os seguidores que relatam acontecimentos milagrosos. Para Silva, o que ocorre, na verdade, é um retorno da mente para o seu estado natural. “Esse mundo é uma projeção da mente. Quando nós a mudamos, é natural que o corpo se cure”, afirma.


Cientificamente falando


Para a psicóloga Rosélia Paparelli, 55, “o processo de adoecimento traz sempre a necessidade do contato do paciente com suas próprias características e tendências de personalidade. Portanto, mediante a angústia, é inevitável o uso de mecanismos de defesa”. Segundo ela, a fragilidade faz com que o indivíduo busque resgatar sua espiritualidade. Em casos assim, o que ocorre também é que a esperança e expectativa que crescem na pessoa enferma geram atitudes positivas, e isso é uma das linhas de raciocínio que explicam a ação do próprio indivíduo para que os chamados “milagres” aconteçam.


Em contrapartida, o oposto também ocorre. De acordo com Rosélia, se a pessoa que busca a cura para uma doença se tornar alienado à fé, pode acabar comprometendo, inclusive, o tratamento médico. A alienação, neste caso, cega o indivíduo e o impossibilita de avaliar o acontecimento a que atribui um milagre de forma distanciada. Contudo, a psicóloga afirma que “uma atitude positiva abre caminhos à receptividade dos tratamentos, medicamentos e procedimentos”.


Apesar de todo conhecimento científico que explica a ocorrência deles, os milagres estão presentes em todas as manifestações religiosas. Dona Maria da Glória é uma das seguidoras da Seicho-no-ie que não deixam de acreditar que acontecimentos desse tipo são verdadeiros. Questionada sobre sua crença neles, ela é enfática: “os milagres sempre existem, é só ter fé”.


Reportagem produzida originalmente para o jornal 'Observatório SP-Jabaquara', feito para a disciplina 'Produção de Jornal' do curso de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi, durante o primeiro semestre de 2018.

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