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Bruno Carvalho

Capela mais antiga de São Paulo preserva cultura e arte do século XVII


Igreja de 398 anos foi totalmente restaurada entre 2006 e 2010. Feita de taipa de pilão e com um significativo acervo de arte, o templo é um dos mais importantes do país


Capela de São Miguel Arcanjo

(Foto: Bruno Carvalho)


Fundada em 1622, a Capela de São Miguel Arcanjo é o templo religioso mais antigo do estado de São Paulo. A igrejinha, que fica no centro do bairro de São Miguel Paulista, resiste ao tempo e ao caos da vida na cidade que se tornou grande. Em 2010, após um longo processo de restauração que durou cerca de cinco anos, foi reaberta ao público. Durante o restauro, preciosas peças de arte foram descobertas, o que fez com que o lugar ganhasse um espaço cultural.


Para saber sobre as origens da capela e do bairro, é preciso voltar a 1560. Por volta desse ano, índios guaianases, comandados por Piquerobi, irmão do cacique Tibiriçá, saíram do Pátio do Colégio e se fixaram numa região que viriam a chamar de Ururaí. Os jesuítas, então, temendo perder seu contingente indígena, deram ao padre José de Anchieta a missão de reencontrá-los. Quando chegou à nova aldeia, Anchieta logo trocou o nome do lugar para São Miguel do Ururaí. Ali foi construída, com mão de obra indígena, obviamente, uma pequena capela, de bambu e sapé.


Décadas mais tarde, essa primeira construção, mais rudimentar, deu lugar a um novo templo feito de taipa de pilão. Dessa vez, o sertanista Fernão Munhoz, que buscava valorizar as terras de que tinha tomado posse, foi quem encarregou o padre João Alvares pela construção da nova igreja. Esta, tombada pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual IPHAN, em 1938, segue de pé e preserva parte considerável do início da arte genuinamente brasileira, bem como a história de um dos bairros mais antigos da cidade.


Segundo o diácono Rogério Arcanjo Matos, 45*, a capela é um sinal vivo da presença dos primeiros cristãos católicos que evangelizaram o Brasil, portanto “ela tem uma relevância porque marca o início da evangelização na nossa região”.


Diácono Rogério Arcanjo Matos

(Foto: Bruno Carvalho)


Por outro lado, embora a capela carregue consigo tamanha importância, ela ainda não é um endereço muito procurado pelos paulistanos, que preferem, muitas vezes, os endereços históricos mais conhecidos. De acordo com a assistente administrativa da capela, Laís de Freitas, 20*, o motivo para isso talvez seja o alto preconceito para com a região. Segundo ela, “muita gente acha que se vier aqui vai ter alguém para assaltar na porta”.


Além do circuito de visitação que passou a funcionar após o último restauro, a capela continua a receber missas, casamentos e batismos.


Os Restauros


Entre os anos de 1939 e 1940, a capela passou pelo primeiro processo de restauração e pesquisa acerca de suas origens. Nessa época, a estrutura da igreja estava muito danificada. A revitalização do templo, promovida pelo então SPHAN, buscou recuperar ao máximo os traços originais do prédio. Nesse processo, além da capela, a área de seu entorno também foi restaurada, assim como algumas das peças vendidas anteriormente a antiquários puderam ser resgatadas.


Já em 2006, a Diocese de São Miguel Paulista e a Associação Cultural Beato José de Anchieta realizaram um novo restauro. Desta vez, o processo foi dividido em duas partes. A primeira etapa, ocorrida entre os anos de 2006 e 2009, foi orçada em cerca de R$ 3 milhões e promoveu a recuperação da estrutura do prédio. Ao mesmo tempo em que aconteciam as obras na capela, um grupo pesquisou em documentos e registros tudo o que restava saber para que fosse divulgada uma história oficial do templo. Dentre os vários documentos pesquisados, a carta mais antiga enviada à Portugal a respeito da igreja pelo padre José de Anchieta data de 12 de outubro de 1561.


Graças a todo material descoberto durante a primeira parte do processo, foi necessária uma segunda etapa. Orçada em cerca de R$ 2,8 milhões, ela ocorreu entre os anos de 2009 e 2010, e a partir dela é que as obras de arte e os detalhes mais minuciosos da capela foram restaurados.


Mapeamento Geofísico


Durante esse restauro, foi feito também um mapeamento geofísico do solo da capela e da área do entorno. Ainda segundo a assistente Laís de Freitas, uma lenda surgiu durante esse processo. De acordo com ela, as pessoas que trabalhavam na restauração dos murais ouviram um choro e, ao investigarem, descobriram um corpo de uma criança sepultado na capela lateral de acordo com o rito indígena. Esse corpo foi encontrado em posição fetal e em direção ao leste. Junto a ele estavam enterrados o que podem ser os pertences que essa criança utilizou em vida.


Arte


Além de ser um dos únicos exemplares que ainda seguem de pé feito a partir da técnica de taipa de pilão, a capela conta com um importante conjunto de relíquias arqueológicas e artísticas. Uma série de esculturas de arte sacra, cerâmicas, altares e murais que remontam ao início da arte brasileira, compõem o acervo do local. Sob o comando do restaurador Júlio Moraes, essas obras também foram revitalizadas.


Esculturas


Esculturas que datam dos séculos XVI ao XVIII estão expostas em vitrines dentro da capela

(Foto: Mário Rodrigues; Veja SP)


Durante o restauro, algumas esculturas de arte sacra foram descobertas. Esse é o caso de uma imagem de Nossa Senhora dos Prazeres, por exemplo. Feita em terracota e de aproximadamente 60 centímetros, a peça foi encontrada no escritório do padre Geraldo Antônio Rodrigues, pároco local. Estima-se que a obra seja do século XVII e é atribuída ao frei Agostinho de Jesus, um dos primeiros escultores brasileiros. Além desta, o acervo conta com outras peças, todas expostas em uma vitrine numa das salas de exposição.


Pinturas murais


Pinturas antes de serem cobertas novamente


As pinturas murais são algumas das descobertas mais valiosas feitas pelos restauradores durante a segunda etapa do processo. Ao arrastarem os altares laterais da capela, descobriram que, por de trás da madeira destas peças, haviam pinturas nas paredes de taipa que desde que foram cobertas nunca haviam sido expostas. Os murais são compostos de sóis e caracóis em tons de vermelho preto e branco e têm cerca de 3 metros de altura por 2,5 de largura. Hoje em dia eles estão cobertos pelos altares novamente. Essa é uma medida que visa preservar a integridade das pinturas.


Cariátides


Cariátide da lateral direita


As cariátides são peças originais que compõem a mesa de comunhão e que foram entalhadas pelos próprios índios guaianases.


Altar mór


Altar mór com imagem de São Miguel Arcanjo ao centro


O altar mór da nave central foi construído em perspectiva pelos franciscanos para aumentar a sensação de profundidade.


Serviço


A Capela de São Miguel Arcanjo fica na Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, 10, em São Miguel Paulista.

Visitas mediadas em grupo ou individuais ocorrem de terça a sexta-feira das 14h às 19h e devem ser agendadas previamente. Visitas espontâneas individuais não guiadas podem ocorrer aos sábados das 10h às 16h.

A entrada custa entre R$ 2,00 (meia) e R$ 4,00 (inteira). Idosos, portadores de necessidades especiais, professores e estudantes da rede pública, crianças até os sete anos de idade e agentes de pastoral não pagam.


Maiores informações pelo telefone: (11) 2032-4160.


* Idade dos entrevistados em novembro de 2016, quando esta reportagem foi escrita.

** Acesso em 22/11/2016.




Reportagem produzida originalmente para o curso de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi em novembro de 2016.

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