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Bruno Carvalho

O Astronauta



Major Fish para o controle de solo a bordo do módulo lunar CTVS-Existence em alguma cratera grande e rasa.


Madrugada de um algum dia depois daquele em que perdi as contas.


Há algo surpreendentemente reconfortante no pavor do silêncio absoluto e da invencível solidão daqui. É tudo muito simples e calmo, embora nada seja menos do que gigantesco e aterrorizante. Eu, que sempre sonhei em vir para cá, em contemplar este espaço e a existência a partir de um ponto tão distante e, ao mesmo tempo, tão próximo de onde parti, tive medo enquanto estava a caminho e sinto medo agora, mesmo os sentimentos homônimos sendo diferentes em forma e consistência entre si.


Me sinto incrivelmente pequeno, e não de um modo inferior, mas de um modo que me faz entender que nem eu, nem os outros que deixei na Terra, somos realmente o centro de algo assim tão grandioso. Não vivemos no centro de nada, não estamos no centro do tempo, não somos o centro do espaço. Depois que cheguei, entendi que os medos são naturais, mas não grandes o suficiente, não me preenchem e tampouco me transbordam. Um dia irei, um dia todos iremos, além daqui, além de qualquer tempo e espaço que as melhores e mais terríveis invenções possam nos fazer imaginar, tenhamos tido medo, ou não.


E apesar de nada realmente importar, se parar para pensar que as criaturas que somos e o tempo em que existimos são tão mínimos quanto a velocidade com que as asas de um beija-flor batem, essa vontade hercúlea e tão agonizante de construir algo aparentemente importante para se deixar aos outros — como o que se chama de legado — é, mesmo não sendo tanto assim, admirável.


Contudo, contemplando o que se contempla daqui, percebe-se que usar palavras gentis para descrever a busca e o falso encontro para uma missão pelo qual todos passam em algum momento, bem como o egoísmo para se achar tão importante apenas por acreditar que fazer algo pelo quê ser aplaudido por alguém é o que há de mais maravilhoso para se fazer, não passa de perda de tempo. Somos, de maneira otimista, esforçados, e, de maneira infantil, ingênuos. Não estamos aqui há tanto tempo, não ficaremos por tanto mais, e as coisas que contruirmos e deixarmos serão destruídas, copiadas e destruídas de novo por outros que vierem depois e, por fim, quando tudo e todos que restarem forem engolidos pela escuridão que virá quando nossa luz-maior finalmente faltar, também se perderão para sempre.


Lá fora, nada além de poeira, frio e rochas — algumas, pequenas, outras, nem tanto. Estou em órbita e nem mesmo o movimento que faz isso tudo circular rumo aos mesmos destinos nesse monte de vácuo por onde um dia essa poeira, esse frio e essas rochas pequenas e grandes já passaram emite o menor dos sons. Às vezes, imagino escutar as entranhas desse lugar rangerem tal qual engrenagens enferrujadas, reclamando da prisão desse tédio milenar e perpétuo, mas não há nada. Os únicos sons que escuto vêm de dentro do meu traje: minha respiração ansiosa que a passos lentos tem se amenizado; meus batimentos cardíacos descompassados; as palavras que eu digo a mim mesmo e que nunca tive coragem de dizer a ninguém.


Medito no meio desse monte de nada e tão contraditoriamente tudo que é aqui. Encontro a mim mesmo e a tantos outros de mim tantas vezes e em tão diferentes situações que às vezes chego a esquecer que este é um lugar solitário. Até o silêncio que há lá fora, de tanto barulho que os tantos que existem de mim e em mim fazem, chega a desaparecer. Chego a acreditar, mais do que quando imagino escutar as falsas engrenagens rangendo, que há mesmo algo atravessando o vácuo para chegar até mim. Mas não é verdade.


Posso voltar a qualquer momento. Ainda não queimei os fusíveis apenas para me deixar à deriva. Já se passou tanto tempo que, antes de vir, pensei que já teria mais respostas — ou, pelo menos, mais perguntas. Apesar de tão extraordinariamente linda e também tão anestesiantemente real, essa viagem, sendo quem eu sou, e da espécie que eu sou, ainda não sei se é, se já foi, ou se será algo assim tão não-importante para todos, menos para mim. Estou aqui. Sigo consumindo os recursos. Espero entender antes de esgotá-los. Espero ver melhor aquele ponto de luz que aqui bate tão diferente quanto bate aí.


Câmbio, desligo.

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