Série da Netflix seria mais uma a ser classificada no gênero “pós-horror”. Mas esse gênero já não estava por aí há muito tempo sem ser notado?
Ano passado, um artigo publicado pelo jornalista Steve Rose, no The Guardian, deu início a uma discussão entre os cinéfilos a respeito do que seria um novo gênero de terror: o pós-horror. Nesse novo gênero, sustos gratuitos e carnificina já não seriam mais o suficiente para o terror do século XXI. A MALDIÇÃO DA RESIDÊNCIA HILL, série lançada no último dia 12 de outubro, pela Netflix, é mais um dos títulos que pode se enquadrar no novo gênero.
A série conta a história da família Crain, que viveu durante um curto período de tempo na antiga e já centenária Residência Hill. Mãe, pai e cinco filhos, morando numa casa enorme e conhecida por ser mal-assombrada. Após acontecimentos estranhos e que vão sendo, em parte, ignorados por eles, acontece uma tragédia – sem spoilers. Anos depois, com as crianças já crescidas e com a residência vazia, o terror que habita a casa retorna.
A discussão acerca do tal novo gênero metido a “terror cult” tem, basicamente, dois lados: o dos fanáticos fãs de filmes clássicos, que não gostam quando uma nova obra sai da curva do que eles consideram “normal”; e os entusiastas das mudanças, que acreditam que tudo evolui. Quase não há quórum, porém, para a criação de um terceiro lado, mais racional: o dos que acreditam que, considerando os aspectos de um filme que se diz ser de pós-horror, essas obras sempre estiveram aí, bem como o gênero em si.
Esses aspectos seriam, em suma, uma preocupação maior com a mensagem, ou as interpretações que o público pode fazer de uma obra, do que a superficialidade de uma história clichê de serial killer, por exemplo. Nesse sentido, A MALDIÇÃO DA RESIDÊNCIA HILL tem seu espaço nessa discussão e pode, tranquilamente, ser descrita como uma série de pós-horror.
O plot da série, que é justamente a volta das angústias da família causadas pela antiga casa e que se dá por conta de uma nova tragédia, se baseia num recurso tradicional de roteiro: a repetição de ciclos. Porém, fosse apenas isso, a série seria só mais uma, em meio a tantas
outras. Ao longo da história, o que se percebe é que os medos e mágoas da família Crain não foram, única e exclusivamente, causados pela casa e suas assombrações.
Além dos Crain, outras duas pessoas frequentam a residência diariamente: os Dudley. Os dois trabalham na casa desde muito antes dos mais recentes habitantes. Crédulos, avisam Olivia (Carla Gugino) e Steven Crain (Henry Thomas, enquanto jovem; Timothy Hutton, já idoso), sobre os fantasmas (de todos os tipos) que habitam a casa. Os pais das crianças, céticos, ignoram.
No futuro, Steven Crain (Michiel Huisman), filho mais velho, se torna um escritor incrédulo de histórias “reais” de fantasmas. E é ele quem dá brecha às interpretações mais profundas sobre a história que nos é contada, pois é ele quem duvida da sanidade dos que tiveram contato com as tais assombrações – novamente, sem spoilers.
Mas, voltando ao plot deste artigo, aí é que está a relação da série com o gênero em questão. Ao contrário de outras obras, tudo é posto em dúvida quando um dos personagens (e poderia ter sido qualquer outra evidência) duvida de tudo, inclusive do gene compartilhado por sua família que, segundo ele, seria a verdadeira maldição.
No pós-horror, sustos e sanguinolência não bastam. A fluidez da sociedade e tudo mais podem justificar a produção crescente de obras como a série da Netflix, que questionam nossa sanidade, nossas relações e nossas angústias com relação ao mundo, mais do que nos
fazem pular de susto quando um gato surge do nada. E questionar e reconhecer tudo isso à nossa volta, convenhamos, é, no mínimo, muito mais desconfortável do que ver as tripas falsas de um zumbi – igualmente falso – saltando às nossas vistas. Entretanto, o terceiro grupo da discussão, mais diminuto e silencioso, entende que obras assim, “diferentonas”, sempre existiram. Se não acredita, é só assistir mais uma vez O ILUMINADO (1980), de Stanley Kubrick, baseado na obra de Stephen King.
Por isso a questão: pós-horror seria assim mesmo tão “pós”? Filmes como MÃE! (2017) e séries como A MALDIÇÃO DA RESIDÊNCIA HILL não seriam fruto de um movimento que já existe há muito tempo e que só estava, até então, “desnomeado”?
Artigo escrito originalmente para a revista 'Era', feita para a disciplina 'Fotojornalismo e Planejamento Visual II' do curso de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi.
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